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As vantagens de usar aparelho auditivo digital – Parte 1
31 de dezembro de 2016

12 DE AGOSTO DE 2014

Ontem peguei dois aparelhos auditivos para testar, esses são mais modernos e digitais. Diferente do meu analógico e só uso um no ouvido esquerdo, agora usando nos dois ouvidos para testar. A audiologista pediu para fazer anotações sobre a experiência nova. Ou seja, fazer um diário. Para que ela possa usar para fazer ajustes nos aparelhos que fiquem no nível conforto.

 


~Querido, Feicebuque~

Assim que comecei a usar, o som é diferente, mas ainda preciso me acostumar, pois incomoda alguns sons. Detalhe, são mais sons pra escutar. Na verdade, o som ficou mais nítido. Isso é bom, mas descobri sons chatos como minhas fungadas eternas que ficaram mais altinhas e o arrasta-preguiça dos meus pés (passos de zumbi?) que minha mãe fala tanto. Até com meus tênis, preciso mudar esse hábito.

O som do teclado, o som do botão de mouse (que nunca tinha ouvido antes, agora é irritante), o barulhinho da cadeira quando me mexo. Tudo que aperto tem um barulhinho agora. Parece que todas as coisas ganharam vida própria. O barulho que vem da janela do meu quarto ficou mais alto: carros uós, as freadas mais altas ainda e buzinas chatas. Agora escuto os pios dos passarinhos, só conseguia escutar quando eles ficavam na rede da minha janela. Eles não precisam mais estar pra poder escutar.

Ontem na consulta, a moça fez um mini teste comigo de olhos fechados. Fez barulhos como o apertar da caneta e o papel arrastado na mesa, nos quais consegui identificar, mas não acreditei que consegui ouvir esses pequenos detalhes. Fui no banheiro de lá, a maçaneta forte e barulhenta, o botão de luz também. Lavei as mãos, o som da água mais nítida e a novidade foi o barulho de papel toalha, que tinha o som tão nítido que nunca tinha ouvido. Fiquei surpresa. Mas nem tudo é uma maravilha, na sala de aula é ruim ainda, muita zoada e a voz dos professores ficou diferente, no sentido não muito legal.

Esse aparelho que fica no ouvido direito não me acrescenta muita coisa, do qual não usava desde criança porque me incomodava com seus sons mais graves. Só sentia vibrações fortes e ainda sinto. É como alguém gritasse comigo com travesseiro na cara. É sensação chata, mas estou me segurando pra aguentar uma semana e ver se isso passa. Afinal, coisa nova requere adaptação e costume. Os novos aparelhos fazem barulhinhos quando passo a mão neles. É chatinho. Teve uma vez que ficou apitando por nada, mas só para mim. Perguntei se minha mãe estava ouvindo alguma coisa. Às vezes escuto barulhos imaginários.

Fiz uma ligação para meu namorado, mas não consegui ouvir direito porque o contato no celular com o aparelho novo ficava apitando, com o velho não é assim. Dizem que têm conectividade e bluetooth para receber a ligação diretamente no aparelho que deve ser uma maravilha.

Bom, é legal ouvir os sons mais nítidos, mas ainda incomodam. Espero que com exames e esse diário que possam ajustar os aparelhos. Adaptação é sempre difícil, mas vou até o fim. Ah, esqueci de dizer: os aparelhos novos não são mais visíveis. O pessoal de bom olho só vai perceber um micro fio de cada orelha. Mais uma parte boa, menos pesinho.

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Aparelho auditivo digital
28 de dezembro de 2016

Eu uso aparelho auditivo desde sempre ― desde sempre não. Comecei a usar com dois anos de idade quando descobriram que perdi boa parte da minha audição. Ou foi antes? Nunca lembro a idade correta, mas o que sei é que uso aparelho a vida inteira. Então, é como se fosse uma parte, um órgão que existe em mim desde que nasci, mesmo que eu tenha nascido com ouvidos intactos. Mas aconteceu algo, de ouvinte para surda bilateral, perda auditiva profunda e severa, como escrevem no audiometria. Não existe essa história de porcentagem de audição, é impossível definir uma perda com número tão específico. Identificam como tipos de perda auditiva, são 4, de menor para maior: Leve, Moderada, Severa e Profunda. Sempre falo aparelho no singular, porque apenas uso um, no lado esquerdo que é do tipo severo. ― Mas por que não usa no outro? ― Já tentei usar, acredite, dei duas chances e as experiências foram horríveis. Zumbidos, falta de atenção, incômodo e dor de cabeça. Ficava muito atordoada. É… realmente não deu.

Ter um aparelho auditivo não cura a surdez, apenas dá um up no som. Sem ele, não consigo ouvir o ventilador e com, consigo reconhecer o barulhinho. Então, amplifica os sons do lado de fora pro meu ouvido. Já usei earphones pra escutar música (sem aparelho) e é totalmente diferente quando escuto com aparelho. Consigo ouvir os sons, as batidas, os gritos, mas as vozes não são muito claras, nítidas. Tenho feito isso há pouco tempo e tem sido uma experiência diferente, porque sempre escutei com aparelho. Fiquei um tempo refletindo sobre isso ― Por quê só comecei a escutar assim agora? ― Não sabia que eu era tão apegada à ideia que pra escutar alguma coisa, você TEM que usar o aparelho pra tudo. Cresci com pessoas ouvintes, sou única surda na família, não tive amigos surdos ― eu tinha, mas não falavam em Libras ―, não tinha essa noção como era ser uma pessoa surda numa comunidade surda, até porque nunca tive convivência com pessoas surdas. Isso está mudando há menos de dois anos. O que iniciou foi uma ideia inesperada no meio do festival de música, ficar na frente do palco e tirar o aparelho, pra ver se escutava algo. E como era alto! Depois de alguns dias desse momento magnífico, fui testar ouvir música no meu notebook. Fiz isso porque meu receptor bluetooth tinha quebrado há meses e estava com saudade de ouvir no trabalho. Que achado do ano.

Mas, Ana, você usa um aparelho tão foda que deveria escutar tudo ― Não, não, não. É impossível ter audição 100% (a não ser que apareça uma cirurgia milagrosa, não falo de implante coclear, visse?), apenas o som fica muito mais nítido. Antes de 2014, só usava aparelho analógico e o que uso agora é digital, o que de fato é um dos melhores aparelhos que já usei. Já utilizei tantos aparelhos que perdi a conta. A transição de analógico para digital foi bem imprevisível. Um dia fui à loja de aparelhos auditivos com o objetivo de trocar meu molde de silicone que estava meio endurecido de tanto usar e excesso de cera de ouvido, o que era normal, era hora de fazer troca. E saí de lá maravilhada e decidida a ter esse aparelho auricular digital que oferecia o som muito nítido. ― Ah, só porque era digital, coisa mó tecnológica. ― Não só isso! Eu havia me apaixonado perdidamente pelo acessório que tinha lá, uma espécie de  controle e receptor com conectividade bluetooth. Usei tanto que ele quebrou. Está meio complicado para consertar porque a assistência técnica fica em SP. Meh.

Vou explicar como ele funciona, parece um ipod genérico de anos 80. Mostra 4 programas de som (Padrão, Conforto, Cinema e Música), cada tem um som diferenciado. Uso Conforto para tudo, porque o som fica menos ruidoso, é o ideal para todo momento. O meu favorito é Música que uso para escutar músicas, séries e filmes no notebook. Quando estou ouvindo ou assistindo, aperto um botão cuja funcionalidade é desligar o som do ambiente externo, apenas escuto o que eu quero. Genial, né? Depois disso, dei meus headphones e minhas orelhas nunca mais ficaram vermelhas.

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Futuro Utópico
8 de abril de 2016

Acordei muito cedo, mesmo assim não consegui dormir mais. Preocupações e mil trabalhos invadiram os meus sonhos ― era só o que me faltava! Fui à cozinha, dei um toque com a mão inteira na porta da geladeira, ela fez uma leitura interna rápida e apareceu algumas opções de café da manhã com ingredientes presentes:  Paleolítico, SuperFit, Fit e Me Surpreenda. Escolhi Paleolítico, surgiu a lista dos ingredientes necessários e peguei todos de uma vez.

15 minutos depois, levei o prato para o balcão cinzento na cozinha americana. Enquanto eu saboreava a panqueca de amêndoas com morango, escrevia com dedo indicador na mesa um ”@” e, alguns segundos depois, apareceram as notificações das minhas redes sociais ― Nada importante… Abri logo o Newsly para ler as últimas novidades de Cultura Pop e Cinema. Uma notícia prendeu minha atenção: “Hoje estreia o filme mais esperado do ano, Batgirl vs Supergirl! Com a aparição inestimável do personagem feminino, Robin, que em breve fará um filme solo” ― É uma boa para desopilar hoje. Ainda no balcão, escrevi um “dc” e subiu um mini drone com câmera metalizado de preto. Parece um morceguinho. Após alguns rodopios tremulantes até achar meu rosto, se afastou a uma distância satisfatória para fazer um websnap. Estalei os dedos e o morceguinho começou a gravar. Comecei então a falar em Língua de Sinais ― Amiga, vamos assistir Batgirl e Supergirl hoje à noite? Saudades e beijos! Estalei novamente, escrevi o nome da amiga cinéfila e enviei. Algumas horas depois recebi uma mensagem dela no celular: “Sim! Mal posso esperar ver a incrível Robin! Também estou com saudades! Até mais! Beijão!”.

Poucos minutos para a sessão começar, a tela da sala solta um aviso para ajustar o óculos 3D. Eu coloco os óculos, dou três toques na haste direita para que apareçam as opções da legendas e se utiliza óculos de grau para tirar o reflexo. Tem português, inglês, francês, alemão e libras. Libras e antirreflexo ativados e aparece na lente dos óculos: “Tenha uma boa noite e um bom filme!”. Divido a pipoca com a minha amiga que está no meu lado. ― Tenha uma boa noite também!

 

 

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1998
14 de março de 2016

Na aula de inglês, era minha favorita de todas as matérias no ensino fundamental, as meninas se remexeram tanto que chamou minha atenção. O motivo era fazer festinha surpresa para uma amiga, conversaram com a professora para pedir uma permissão de sair mais para o horário do recreio. Todas saíram e a teacher estranhou porque eu não fui, não fui porque não sabia de nada, ela me explicou e me pediu pra ficar com elas. Bom, acabei indo porque estava saindo mais cedo, “mais tempo de recreio!”.

1998-1Corri atrás das meninas, fiquei por perto e sem saber o que fazer. Uma delas trouxe brigadeiros. Depois aconteceu o parabéns e como qualquer menina, fui pegar um brigadeiro que estava com aparência bem boa. Mal dei uma mordida que a menina-chata gritou que não deveria ter feito isso. Fiquei tão assustada que deixei ali mesmo com uma mordida e fui embora correndo para o parque que ficava do outro lado e não tinha ninguém, sorte minha. Passei um tempo no balanço com meu lanchinho que havia trazido. Triste pelo brigadeiro? Não, foi aquele grito egoísta que me deu um susto tão grande. Consegui esconder a minha tristeza até que passou quando um menino me chamou para jogar futebol.
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Os meninos sempre me chamaram pra jogar, quase todo intervalo jogava com eles, e gostava muito, talvez por não ser ignorada e também não precisava conversar. Era só jogar e acabou. As meninas só sabiam fofocar, sussuros nos ouvidos, coisa que não podiam fazer comigo porque não escutava bem, mas poderiam falar de cara a cara ou até escrever um textinho. Mas não, preferem o que é mais fácil, acredito. Bem, nunca gostei de brincar com bonecas mesmo. Corri logo para a quadra e joguei tanto que esqueci o incidente idiota, mas deixou um cicatriz. Nesse mesmo dia, eu fiz um gol tão incrível e inacreditável que os meninos me elogiaram, deram umas tapas nas costas e bateram a minha mão a là brother. Esses meninos não sabiam, mas remediaram a dor no meu coração.1998-3

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Me empresta seus ouvidos?
15 de janeiro de 2013

Nasci surda, mas não sei como aconteceu e nem meus pais sabem porque sou primeira e única deficiente auditiva na família. Esse detalhe me entristece muito, mas não demonstro a minha tristeza porque não quero deixar meus lindos pais culpados. Eles são t-u-d-o na minha vida. Devo muito, senão não estaria aqui conversando com vocês, nem assistiria filmes, leria livros ou poderia paquerar os quadros de Frida. O problema de ser surda é que não consigo acompanhar o ritmo das conversas em grupo ou até com só mais uma pessoa, mesmo com o aparelho auditivo. Mas fico de boa observando meus amigos. Quando eles riem eu rio, mesmo sem entender. O som da risada me agrada, mas queria saber qual foi a história ou a piada. Às vezes peço pra repetirem, mas repetir toda hora é muito aborrecedor. É preciso paciência, mas desisti. Porque já tentei e eles ficam longe de mim pra não terem uma explosão de raiva. Fico triste, rolam umas lágrimas e umas tremidinhas no queixo, mas consigo não demonstrar e eles raramente percebem como me sinto. Já superei o fato de ser surda, mas velho, queria pelo menos ouvir de verdade. Como seria conversar por telefone, conversar sem precisar “ler” os lábios da pessoa, uma pessoa bonita falando no seu ouvido na balada, reconhecer músicas e cantar certinho. Acho muita tolice e perda de tempo ficar triste, porque não há tanta gente assim que nem eu que está em uma Universidade federal, quase pra se formar, já quer começar outro curso superior, está aprendendo espanhol e tem muitos outros planos. Tudo isso é uma vitória.  Sim, eu sou oralizada. Falo, mas nem sempre me entendem. Repito, repito, repito até ficar com a garganta dolorida. Eu falo bem, mas tenho um sotaquezinho, não “o de surdo”, não sei como descrever. É um sotaque distinto para cada pessoa. Ora francesa, ora sueca. Amo ir pra balada, danço e sinto as batidas graves no meu coração, no meu corpo. Amo ouvir música, principalmente, música clássica. Mas não compreendo as letras das músicas, o que é um saco. Aí passo um tempo sem ouvir por simplesmente não conseguir. Novamente, viro aquela pessoa triste e tola.
Tento pensar sempre em Emmanuelle Laborit, uma atriz surda francesa que fala por libras, quando estou na miséria emocional. Ela ganhou um prêmio Molière de atriz revelação por “Os filhos do Silêncio”. Cara, se ela conseguiu algo tão importante como ser reconhecida pelo seu talento, eu também vou conseguir. Vou lutar e deixar de ser tolinha.

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  • 26, surda, recifense e designer. Mais uma fã level hard de Star Wars nesse universo. Aqui tento escrever crônicas.

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